O Demônio e as Religiões
O apagão do anjo
Por Jomar Morais
Era uma vez um arcanjo belo e luminoso.
Daí o seu nome, Lúcifer, que na origem latina significa portador
da luz. Era o preferido de Deus, espécie de assessor direto numa
época em que o Criador andava muito ocupado com a criação
do universo. Era também sábio e envolvente, conhecia os segredos
da vida. Algo assim tão extraordinário que o nobre ser celeste
nem teve tempo de perceber o perigo.
Segundo Dante, na Divina Comédia,
a glória de Lúcifer durou somente 20 segundos. Foi o tempo
necessário para que o orgulho lhe subisse a cabeça, levando-o
a se opor aos desígnios divinos. Na primeira tentativa de golpe
de estado de que se tem notícia, o arcanjo convenceu um terço
dos habitantes do céu a rebelar-se contra o Criador. Houve guerra
nas alturas, mas Lúcifer perdeu feio. Batidos por tropas angelicais
comandadas pelo arcanjo Miguel, ele e seus aliados foram precipitados nas
profundezas do mundo, onde formaram um reino dissidente mais conhecido
como inferno.
E assim nasceu o Diabo, o senhor do mal, orgulhoso, vaidoso, astucioso, eternamente rebelado contra tudo que o que consta dos planos divinos, aí incluindo-se o homem e as virtudes que o aproximam do Criador. Esta história não está no Gênesis, o primeiro livro da Bíblia, que descreve a criação do céu e da Terra. Nem poderia. A narrativa acerca de Lúcifer surgiu na literatura popular judaica, foi reproduzida em escritos apócrifos e só muito tempo depois associada ao mito de Adão e Eva no paraíso. (Foi então que a fala da serpente a Eva passou a ser vista como uma intervenção do Diabo, com o objetivo de corromper a nascente humanidade.) Os cristãos a incorporaram à sua doutrina, enriquecendo-a com detalhes apocalípticos. O Novo Testamento informa que Lúcifer e seus aliados voltarão a guerrear contra os anjos de Deus no fim dos tempos e dessa vez o Diabo não terá colher de chá. O Tinhoso e suas tropas serão definitivamente derrotados. A visão de Satanás, nos dias atuais, é tão variada quanto os credos religiosos. Para algumas religiões, o Diabo sequer existe. Confira: Catolicismo Após as mudanças iniciadas no Concílio Vaticano II, há quatro décadas, o Diabo perdeu as feições físicas monstruosas e passou a ser encarado como "a causa do mal", cuja ação entre os homens é essencialmente moral. Mas a Igreja continua a vê-lo como uma entidade que concentra o mal absoluto. Evangelismo Para a maioria das denominações evangélicas, Satanás tem individualidade e atua como o grande inimigo do Evangelho de Jesus e seus seguidores. Os neopentecostais superestimam os seus poderes e fazem do combate ao Demônio o foco de suas atividades. Segmentos modernizantes, como algumas igrejas batistas nos Estados Unidos e no Brasil, já admitem que o mal reside no homem, como a sombra junguiana, e contestam a existência do Maligno. Judaísmo Não aceita a corporificação do Diabo. Satanás seria o adversário, o acusador, que conforme a tradição judaica é usado por Deus para testar o homem. O bem e o mal procedem ambos de impulsos humanos. Islamismo O Diabo islâmico é individual e corporificado. Tem praticamente as mesmas atribuições de seu similar cristão. Espiritismo A doutrina de Allan Kardec, popularizada no Brasil, não admite a existência do mal absoluto nem a sua individualização em Satanás. O mal, visto como uma contingência da experiência evolutiva, cede ao bem à medida que os espíritos se depuram através de sucessivas reencarnações. Budismo Os budistas não personificam Deus e muito menos o Diabo, um conceito inexistente no Budismo. O mal é resultado da mente inquieta ante a ilusão do eu e das formas. Pensamentos e atos podem gerar carma que prendem o homem à fieira das reencarnações. O exercício da compaixão e do desapego o liberam desse círculo. A imaginação criativa na Idade Média não se limitou a conceber uma figura horripilante para Satanás. O inferno, espaço de trevas e sofrimento a que o adversário do Criador foi relegado, teve suas regiões geográficas e departamentos minuciosamente retratados pela demonologia e pela arte cristãs. No início o reino infernal era habitado, segundo os doutores da Igreja, por exatos 133 306 668 anjos corrompidos. Isso corresponderia à terça parte do contingente de quase 400 milhões de anjos criados por Deus, originalmente distribuídos em nove ordens, cada uma delas composta por 6 666 legiões que, por sua vez, são grupos formados por 6 666 indivíduos. Para administrar tantos demônios em seu trabalho de espalhar o mal, o Diabo delegou poderes a auxiliares, às vezes confundidos com o próprio chefe. A seguir, alguns nomes influentes no organograma do inferno: Diabo – o rei, o chefão. O nome deriva do grego diábolos, que significa aquele que leva a juízo. Trata-se de Lúcifer, o ex-arcanjo preferido de Deus, expulso do céu por causa de seu orgulho e ambição. Sua pretensão é ser o deus da Terra. É também conhecido vulgarmente como Satã (em hebraico, aquele hostiliza, acusa e calunia), mas alguns demonólogos vêem aí uma diferença: Satã seria apenas uma manifestação, uma personagem do Diabo e não o Diabo propriamente dito. Belzebu – é o príncipe dos demônios, segundo o Novo Testamento. A origem do nome é Baal-Zebu, o deus filisteu da cidade de Ecrom, que em hebraico quer dizer "senhor das moscas". É descrito na obra Paraíso Perdido, de Milton, como um rei autoritário que irradia sabedoria. Ao lado de Leviatã, estimula o orgulho e a heresia entre os homens. Asmodeu – demônio hebreu da ira e da luxúria que, segundo o Livro de Tobias, matou os sete primeiros maridos de Sara, filha de Raquel, no próprio dia do casamento. Teria sido um serafim no céu. Virou superintendente das casas de jogo do inferno. Astaroth – marido de Astartéia, deusa fenícia da Lua. Ex-querubim, é tido como o tesoureiro do inferno, inspirador da preguiça na Terra. É representado como um anjo nu, fedorento, montando um dragão. Baalberith – demônio do assassinato e da blasfêmia, era líder dos querubins celestes. Tornou-se secretário de Lúcifer. Belial – seu nome deriva do hebraico bellhharar, que significa "inútil". É considerado o demônio da arrogância e da loucura por uns e o patrocinador da sodomia por outros. Há quem o veja como a besta do Apocalipse, marcada com o número 666. Abramalech – responsável pelo guarda-roupa de Lúcifer, espécie de mordomo. Tem a forma de uma mula com busto humano e rabo de pavão. Nergal – demônio sumeriano que no inferno cristão assumiu o comando da polícia. Pazuzu – demônio assírio considerado o rei dos espíritos malignos que vêm com o vento sudeste. É representado como um homem alado e com chifres enormes.
.Texto
de Jomar Morais
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