A teoria do hiperespaço reabriu a questão da possibilidade do seu uso para viagens através do espaço e tempo.
Para entender essa idéia, imagine uma corrida de minúsculos platelmintos que vivem na superfície de unia grande maçã. É óbvio para esses vermes que seu mundo, que eles chamam de Maçalândia, é plano e bidimensional.
No entanto, um verme, chamado Colombo, é obcecado com a idéia de que Maçalândia é de alguma maneira fini-ta e curva em algo que ele chama de terceira dimensão. Seus amigos, porém, o chamam de idiota por acreditar que Maçalândia poderia ser curva em alguma dimensão invisível que ninguém podia ver ou sentir. Um dia, Colombo inicia uma longa e árdua viagem e desaparece no horizonte. Ele acaba por retornar ao seu ponto de partida, provando que o mundo é, na verdade, curvo na invisível tercei-ra dimensão. Embora exausto de suas jornadas, Colombo descobre que há ainda uma outra maneira de viajar entre dois pontos distantes da maçã. Escavando a maçã, ele consegue abrir um túnel, criando um conveniente atalho para terras distantes. Esses túneis, que reduzem consideravelmen-te o tempo e o desconforto de uma longa viagem, são por ele chamados de buracos de minhocas. Eles demonstram que o caminho mais curto entre dois pontos não é necessariamente uma linha direta, como lhe fora ensi-nado, mas um buraco de minhoca. Um estranho efeito descoberto por Colombo é que, quando entra num desses túneis e sai pela outra extremidade, ele se encontra de volta ao passado. Ao que parece, esses bura-cos de minhoca ligam parte da maçã em que o tempo avança em marchas diferentes. Alguns dos vermes chegam a afirmar que, com esses buracos de minhoca, seria viável construir uma máquina do tempo.
Mais tarde, Colombo faz uma descoberta ainda mais importante - sua Maçalândia não é de fato o único mundo do universo. Não passa de uma maçã num grande pomar de maçãs. Sua maçã, ele descobre, coexiste com centenas de outras, algumas com vermes como eles próprios, outras sem. Sob determinadas e raras circunstâncias, ele conjetura, pode ser possível até viajar entre diferentes maçãs no Pomar.
Nós, seres humanos, somos como os Platelmintos. O senso comum nos diz que nosso mundo, como a maçã deles, é plano e tridimensional. Não importa onde cheguemos com nossas espaçonaves, o universo parece plano. No entanto, o fato de que nosso universo é curvo numa dimensão invisível além de nossa compreensão espacial foi experimentalmente comprovado por vários experimentos rigorosos. Esses experimentos, realizados com a trajetória de feixes de luz, mostram que a luz das estrelas é curvada ao se mover através do universo.
Universos Multiplamente Conectados
Quando acordamos de manhã e abrimos a janela, esperamos ver o jardim da frente. Não esperamos deparar com as altíssimas pirâmides do Egito. Sem sequer pensar a respeito, supomos que podemos abrir janelas ou portas tranqüilamente sem entrar em pânico. Agimos com base numa idéia preconcebida profundamente arraigada de que nosso mundo é conectado de maneira simples, de que nossas janelas e portas não são acessos para buracos de minhoca que ligam nossa casa a um universo distante. (No espaço comum, um laço de corda pode sempre ser reduzido a um ponto. Quando isso é possível, o espaço é dito simplesmente conectado. No entanto, se o laço for posto em tomo da entrada do buraco de minhoca, ele não pode ser reduzido a um ponto. O laço, na verdade, entra no buraco de minhoca, Esses espaços, onde os laços não são contráteis, são chamados multiplamente conectados.)
Desde a época de Georg Bernhard Riemann, matemáticos vêm estudando as propriedades de espaços multiplamente conectados em que diferentes regiões do espaço e tempo são emendadas. E físicos, que outrora pensavam que isso era um mero exercício intelectual, estão agora estudando seriamente mundos multiplamente conectados como um modelo prático do nosso universo. Esses modelos são o análogo científico do espelho de Alice. Quando o Coelho Branco de Lewis Carrol despenca pelo buraco de coelho para entrar no Pais das Maravilhas, ele na verdade cal em um buraco de minhoca.
Viagem no Tempo e Universos Bebês
Embora os buracos de minhoca forneçam uma fascinante área de pesquisa, talvez a questão mais intrigante a emergir dessa discussão do hiperespaço seja a da viagem no tempo. No filme De Volta Para o Futuro, Michael J. Fox viaja para trás no tempo e encontra seus pais como adolescentes.
Tradicionalmente, os cientistas tiveram em baixa conta quem quer que levantasse essa questão. A causalidade (a noção de que todo efeito é precedido, não seguido, por uma causa) mora num relicário profundamente encravado nos fundamentos da ciência moderna. No entanto, na fisica dos buracos de minhoca, efeitos "acausais" se manifestam repetidamente. De fato, temos de adotar sólidos pressupostos para impedir que uma viagem no tempo aconteça. O principal problema é que os buracos de iminhoca podem conectar não só dois pontos distantes no espaço como também o futuro com o passado.
Em 1988, o físico Kip Thorne, do California Institute of Teclinology, e seus colaboradores fizeram a assombrosa (e arriscada) afirmação de que, na verdade, a viagem no tempo é não somente possível como provável sob certas condições. Eles publicaram sua asserção na prestigiosa Physical Revíew Letters. Isso marcou a primeira vez em que físicos renomados vieram fazer uma afirmação cientificamente fundamentada sobre a mudança do curso do próprio tempo. Sua declaração teve por base a observação simples de que um buraco de minhoca conecta duas regiões que existem em diferentes períodos de tempo. Assim, o buraco de minhoca pode ligar o presente ao passado. Uma vez que a viagem através do buraco de minhoca é quase instantânea, seria possível usar o buraco de minhoca para recuar no tempo. No entanto, um buraco de minhoca só poderia ser criado com o uso das vastas quantidades de energia, superiores ao que será tecnicamente possível nos próximos séculos.
Místicos e hiperespaço
Alguns desses conceitos não são novos. Há muitos séculos, místicos e filósofos vêm especulando acerca da existência de outros universos e túneis entre eles. Há muito vêm se sentindo fascinados pela possível existência de outros mundos, não detectáveis pela visão ou pela audição, e no entanto coexistindo com nosso universo. Viram-se intrigados pela possibilidade de que esses mundos inexplorados, inferiores, pudessem mesmo estar tentadoramente próximos, de fato nos cercando e nos permeando para onde quer que nos movêssemos, e no entanto logo além de nosso alcance físico e desconcertando nossos sentidos. Esse palavrório, contudo, era em última análise inútil porque não havia nenhum meio prático para se expressar matematicamente essas idéias e finalmente testá-las.
Passagens entre nosso universo e outras dimensões são também um artifício muito apreciado. Escritores de ficção científica consideram um maior número de dimensões uma ferramenta indispensável, usando-a como meio para viagens interestelares.
A existência desses indefiníveis mundos paralelos produziu também interminável especulação religiosa ao longo de séculos. Espiritualistas indagaram se as almas dos entes queridos eram transportadas para uma outra dimensão. O filósofo britânico do século XVII Henry More sustentou que fantasmas e espíritos realmente existiam e afirmou que eles habitavam a quarta dimensão.
O interesse por dimensões adicionais atingiu o ápice entre 1870 e 1920, quando a "quarta dimensão" (uma dimensão espacial, diferente do que conhecemos como a quarta dimensão temporal) conquistou a imaginação popular e foi gradualmente contaminando todos os ramos das artes e das ciências, tornando-se uma metáfora para o estranho e o misterioso.
De maneira semelhante, os matemáticos se mostram há muito intrigados por formas alternativas e bizarras de lógica e geometrias que desafiam toda convenção do bom senso. Por exemplo, o matemático Charles L. Dodgson, que lecionava na Universidade de Oxford, deleitou gerações de crianças escrevendo livros - com o pseudônimo de Lewis Carroll - que incorporam essas estranhas idéias matemáticas. Quando Alice cai num buraco de coelho ou atravessa o espelho, ela entra no País das Maravilhas, um estranho lugar onde gatos “cheshire” desaparecem (deixando apenas seu sorriso), cogumelos mágicos transformam crianças em gigantes, e o Chapeleiro Louco celebra "desaniversários". De certo modo, o espelho conecta o mundo de Alice com uma terra estranha onde todo mundo fala por meio de enigmas e o bom senso não é lá tão bom.
Parte da inspiração das idéias de Lewis Carroll veio provavelmente do grande matemático alemão do século IXX Georg Bernhard Riemann, que foi o primeiro a estabelecer os fundamentos matemáticos das geometrias no espaço com maior número de dimensões. Riemann mudou o curso da matemática para o século que se seguiu, demonstrando que esses universos, por mais estranhos que possam parecer ao leigo, são completamente coerentes e obedecem à sua própria lógica interna. Para visualizar algumas dessas idéias, pense em empilhar muitas folhas de papel, uma sobre a outra. Agora imagine que cada folha representa todo um mundo e que cada mundo obedece às suas próprias leis, diferentes daquelas de todos os outros. Nosso universo, portanto, não estaria sozinho, mas seria um de muitos mundos paralelos possíveis. Seres inteligentes poderiam habitar alguns desses planetas, ignorando por completo a existência dos outros.
Normalmente a vida em cada um desses planos paralelos prossegue independentemente do que se passa nos outros. Em raras ocasiões, no entanto, os planos podem se cruzar e, por um breve momento, rasgar o próprio tecido do espaço, o que abre um buraco - passagem - entre esses dois universos. Como o buraco de minhoca que aparece em jornada nas Estrelas. Espaço Profundo Nove, essas passagens tornam possível a viagem entre esses mundos, como uma ponte cósmica que ligasse dois universos diferentes ou dois pontos do mesmo universo.
Contudo, sem nenhuma confirmação experimental ou motivação física imperativa, essas teorias de mundos paralelos definharam como ramo da ciência. Ao longo de dois milênios, cientistas se detiveram ocasionalmente na ideia de dimensões adicionais, somente para descartá-la como não passível de teste e portanto tola. Embora fosse matematicamente intrigante, a teoria de geometrias mais elevadas de Riemann foi posta de lado como brilhante mas inútil.
Estudando o trabalho desses primeiros místicos, vemos também mais claramente o que faltava às suas investigações. Vemos que suas especulações careciam de dois importantes conceitos: um princípio físico e um princípio matemático. Da perspectiva da física contemporânea, compreendemos hoje que o princípio físico que falta é o de que o hiperespaço simplifica as leis da natureza, fornecendo a possibilidade da unificação de todas as forças da natureza por argumentos puramente geométricos. O princípio matemático que falta é a chamada teoria de campo, que é a linguagem matemática universal da física teórica.
Artigo recolhido na Revista Planeta, número 3, ano 28, de março de 2000
Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges
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